Imagine um mundo em que todas as pessoas, sem distinção de origem, escolaridade ou posição social, são ouvidas. Onde cada indivíduo sabe que tem algo a dizer, algo a contribuir, algo que pode fazer diferença. Esse não é apenas um sonho idealista, mas um princípio concreto: a participação universal.
Vivemos um tempo em que se fala muito, mas se escuta pouco. As vozes mais altas, muitas vezes, não são as mais sábias. E as mais silenciosas, com frequência, carregam visões preciosas sobre o mundo ao seu redor. A participação universal começa justamente por esse reconhecimento: todo ser humano tem uma voz legítima e única, capaz de enriquecer o coletivo.
Durante muito tempo, acreditou-se que apenas os especialistas, os que dominam a linguagem acadêmica ou têm visibilidade pública, podiam se manifestar com autoridade. Mas estamos descobrindo que a sabedoria também está na vivência, na escuta, na observação cotidiana. O primeiro obstáculo a superar é interno: a crença de que não temos nada a oferecer.
Participar é mais do que falar. É desenvolver a consciência de si e do mundo, é aprender a ler a realidade. Isso exige humildade, prática diária e disposição para se transformar. Autoconhecimento é um passo essencial. Quem sou eu? O que percebo à minha volta? O que posso transformar, ainda que em pequena escala?
Na experiência da comunidade bahá’í, a consulta é uma prática que facilita esse processo. Nela, todas as ideias podem ser oferecidas sem medo, e uma vez lançadas, deixam de ser propriedade individual. São avaliadas pelo grupo, sem vaidade nem disputa. Não importa quem disse, mas o valor da contribuição para o bem comum. Quando o ego se desprende do resultado, nasce um espaço verdadeiro de colaboração.
Essa prática contrasta fortemente com o espírito de julgamento e polarização que permeia tantos espaços hoje. A cultura do cancelamento e o medo da exposição têm afastado pessoas do diálogo sincero. Criar ambientes acolhedores, onde as contribuições possam florescer sem temor, tornou-se uma tarefa urgente.
Isso é especialmente importante num cenário em que discussões sobre justiça e identidade muitas vezes alimentam a ideia de que estamos em lados opostos, sempre em conflito. Sem negar as histórias de desigualdade, precisamos evitar cair na armadilha de consolidar o mundo como um campo de batalha. É possível construir novas relações a partir da escuta, da empatia e da cooperação.
Entre homens e mulheres, por exemplo, há um desafio evidente: como superar séculos de desequilíbrio sem cair na armadilha da oposição permanente? Como criar relações de confiança, onde ambos possam crescer juntos? É uma pergunta essencial para quem deseja famílias saudáveis, comunidades fortes e uma sociedade mais humana.
A proposta da participação universal é radicalmente inclusiva. Ela reconhece que nenhuma transformação duradoura será feita apenas por alguns. Todos são parte do processo. Todos têm algo a dar. Todos têm algo a aprender. É assim que se constrói uma nova sociedade, uma que não é alimentada por competição, mas por cooperação consciente.
Essa construção não se faz de cima para baixo. Ela nasce nas conversas do dia a dia, nos grupos locais, nas escolas, nas famílias, nas comunidades de prática. Começa quando alguém, que antes achava que não tinha nada a dizer, descobre que sua vivência importa. E se sente, enfim, convidado a participar.
A proposta bahá’í é ousada e serena ao mesmo tempo: superar tribos e muros para edificar uma só humanidade. Isso não significa apagar diferenças, mas sim integrar vozes diversas em uma construção coletiva mais ampla e madura. O mundo precisa de menos trincheiras e mais mesas de diálogo. De menos disputas por poder e mais ações por propósito.
A participação universal não é um slogan. É um pilar para uma nova sociedade. Uma sociedade onde cada pessoa, em sua dignidade plena, é reconhecida como capaz de observar, pensar, sentir e contribuir. Essa construção é lenta, exige esforço coletivo — e começa no cotidiano, com pequenos gestos de escuta, abertura e presença.
Flavio Azm Rassekh é cineasta e membro da Assembleia Nacional dos Bahá’ís do Brasil.